Para a leitura e reflexão profunda de Paraenses, Amazonenses, Maranhenses, Piauíense, Matogrossenses e Amazônidas de uma maneira geral.
A questão da divisão territorial
Por Juarez B. Regis
Essa questão diz respeito a toda a Amazônia, mas o nosso foco, nesse artigo, será o Estado do Pará. Para chegar a explicar a necessidade da divisão do nosso Pará faremos uma retrospectiva da história da geopolítica amazônica com base em dois livros: Estudo de Questões Regionais e Uma Geopolítica Pan-Amazônica.
Paralelamente, vamos tecendo nossos comentários.
É do conhecimento da maioria dos brasileiros que a Amazônia, ao longo dos tempos, tem sido concebida de várias formas: enquanto área política-administrativa com uma extensão de 3,8 milhões de km2 ou 45,5 % do espaço brasileiro, foi estabelecida pelo IBGE como Região Norte; para fins de planejamento e promoção do desenvolvimento econômico e social, ficou, recentemente, conhecida de Amazônia Legal, constituída de uma área de 5 milhões de km2 ou 58 % da superfície do Brasil, abrangendo outros Estados do Nordeste e Centro-Oeste brasileiro.
Por ser uma extensa região natural foi denominada de Pan-Amazônia, que "corresponde à área que envolve a extensão do ecossistema amazônico (domínio da floresta equatorial). Estende-se aproximadamente por cerca de 6,5 milhões de km2. É uma área internacional que abrange extensa parte do Brasil e oito países sul-americanos". (Cf. Estudos de Questões Regionais. Vol. 1. Cejup, 1992, p.22)..Essa descrição histórica e geográfica tem a sua importância, nesse nosso artigo, para facilitar a compreensão mais adiante da relação de cada subdivisão territorial - seja ela de caráter natural ou artificial -, para com o todo geopolítico ou pan-amazônico.
A par disso, e para um melhor entendimento do porquê dessa reivindicação de divisão territorial, é importante iniciar a análise levando em consideração os elementos políticos e econômicos, procurando entendê-la como parte de um contexto maior, nacional e internacional.
De acordo com as análises contidas no livro "Uma Geopolítica", do autor General Meira Mattos - e, também, de livros de outros estudiosos, entre eles alguns amazonenses, a exemplo do professor Samuel Benchimol -, a Amazônia é um espaço destinado a desempenhar um papel econômico fundamental que deve abrir novas possibilidades e oportunidades econômicas para investimentos, abrindo-se novas perspectivas de emprego e renda para toda a região Norte, Legal e até Pan-Amazônica.
Nesse sentido, a Amazônia não é uma simples região natural, ou melhor, um santuário ecológico, a ser totalmente conservado. Que devem ser respeitadas todas as suas áreas de preservação, todos nós brasileiros o sabemos, mas... também temos que convir que há que se desenvolver atividades e produzir em áreas econômicas, (rica em recursos naturais e minerais) até porque o bem estar de seus habitantes é primordial, sendo que devemos resguardar os ecossistemas, fonte dessas riquezas.
Agora, antes de qualquer discussão contra ou a favor de quaisquer atividades na Amazônia, temos que entender que a Amazônia é parte de um espaço geopolítico que se especializou em fornecer matéria-prima com mão-de-obra de baixo valor, a exemplo do gado, madeira, minério e produtos da floresta. E por isso, tem sido alvo de políticas públicas que têm incentivado os investimentos de capitais e tecnologias por meio de grupos empresariais de grande poder econômico, e que por isso, passam a influenciar decisivamente e de maneira aleatória na distribuição desse espaço, ou melhor, estão no comando de tudo, porque não há a devida presença dos governos, tanto na esfera federal quanto nas esferas estadual e municipal, acompanhando, fiscalizando e dando as coordenadas para induzir ações para a convivência pacífica entre a economia e a ecologia. E essa omissão acontece em detrimento da economia, do meio ambiente e da cultura regional com repercussão negativa para todo o Brasil. É evidente que quem fica perdendo com isso é a população que se vê obrigada a entrar em conflito no campo ou ir atrás de abrigo no reduzido espaço das capitais e de grandes cidades, pressionando o aparecimento de ondas de violência.
Constatado esses fatos que estão em andamento e o jogo de interesses dos atores envolvidos, nesse cenário, dá para entender a razão porque figuras ilustres da política nacional, logo nos primeiros anos do império, como o constituinte de 1823, Antonio Carlos de Andrada e Silva, o geógrafo Francisco Adolfo de Varnhagen, bem como nos anos seguintes da República, Quintino Bocaiúva, J. P. Magalhães, Costa Machado, Felisberto Freire, Tomás Delfino e Pinheiro Guedes e outros mais, defendiam uma melhor organização do espaço político-administrativo amazônico.
Mais recentemente, ainda houve os projetos Everardo Backeuser (1933), Major João Segadas Viana, Sud Menucci, Ari Machado Guimarães, Juarez Távora, o qual já incorporava na proposta da divisão amazônica os territórios do Tapajós e do Pará. Merecem também destaque o projeto de Teixeira Freitas (1948), o projeto de Antonio Teixeira Guerra (1960) o projeto do deputado Siqueira Campos (1974), o projeto de Frederico Augusto Rondon (1977) e finalmente os projetos de Samuel Benchimol (1966 e 1977), sendo que de acordo com Meira Mattos (1980) todos esses projetos têm dois traços comuns: baseiam a divisão no critério da integridade das bacias hidrográficas e propõem a criação dos espaços denominados de territórios federais, pois seus elaboradores, entendiam que a Amazônia tinha que ter áreas políticas-administrativas menores e melhor distribuídas em seu espaço. Dentre esses territórios propostos aparecem os nomes Trombetas, Rio Negro, Solimões, Madeira, Xingu, Araguaia, Tapajós e Tocantins, este último agora já é Estado. Hoje, passado séculos, verificamos que a Amazônia Legal continua com uma área superdimensionada, onde cabe 19 vezes o território da França e 20 vezes o da Espanha.
Lendo o livro "Uma Geopolítica Pan-Amazônica", do autor General Meira Mattos - onde são abordadas as várias tentativas de conquista econômica -, detecta-se que a região em questão retroagiu com a adesão a Independência, já que fomos reduzidos a quatro províncias – Pará, Maranhão, Mato Grosso e Goiás – as três últimas abrangendo apenas parcialmente o território amazônico. Segundo o historiador amazonense, Samuel Benchimol, as enormes comarcas em que se subdividiam essas províncias reduziam-se apenas a um poder local inexpressivo sem nenhuma capacidade operacional sobre as áreas de sua jurisdição.
Após esse relato do processo histórico em prol da divisão territorial, iremos tentar extrair do livro do General Meira Matos uma síntese das técnicas e estratégias de desenvolvimento aplicadas, na época colonial, em territórios gigantescos e despovoados de países, tais como Estados Unidos, a antiga União Soviética e a Austrália. Esse autor, lembrando o historiador inglês Arnold Toynbee, diz que a formação das civilizações não resulta do isolacionismo ou isolamento de cada ambiente, mas de uma "forma de relação" entre vários ambientes. O desafio "tonybiano" consiste, portanto, segundo Meira Mattos, na integração dos vários grupos sociais ao meio físico em que vivem, e dessa integração surgirá – diz ele, - a interação de forças geradoras de uma sociedade avançada.
Aplicando-se, de acordo com Mattos, o critério geopolítico de continentalidade que, no caso paraense, é a relação entre a linha de contorno terrestre do Mapa do Pará e a linha correspondente do litoral no Atlântico, teremos o quociente de relacionamento com os povos dos territórios vizinhos. Apoiando-se na fórmula criada por um tal Everardo Backeuser, fica: Qc = 5000 Km / 622 Km = 8.Trata-se, segundo o autor, de um elevado quociente.
Será, portanto, nas forças emanantes da continentalidade que teremos que buscar, essencialmente, as soluções para esse extenso Estado do Pará e outros mais, como o do Amazonas que nem contato direto com o Oceano possui. Estas forças interiores ou internas terão que ser despertadas para começarem a se vertebrar economicamente e socialmente - diz Meira Mattos -, porque as várias parcelas nacionais que compõem o todo (o Brasil), até hoje, viveram predominantemente voltadas para seus respectivos litorais, no Atlântico. E no caso da Pan-Amazônia, alguns territórios, seja Estados ou países, viveram economicamente em função do o Atlântico ou do Pacífico.
Isso fez com que não se procurasse criar um impulso interior ou para o interior, e assim, dinamizar o progresso com a participação das diferentes populações, ricas e pobres. Este é, no dizer de Mattos, e nós não só concordamos como, também, sustentamos essa tese, a causa maior do atraso a que ficaram submetidas algumas sub-regiões do Pará e Amazonas, entre outras. Foi esse despertar que fez os Estados Unidos, a ex-União soviética e a Austrália a desenvolverem-se. Os E.U.A., por exemplo, passado o período da marcha heróica para o Oeste, apressaram-se em integrar seu imenso território, cruzando-o com ferrovias que ligaram os portos do Atlântico aos do Pacífico.
Não houve um contentamento de ficar dependendo somente da grandeza de seus rios como o Mississipi, como saída para o mar, pois sendo inteligentes os americanos entendiam que aquele grande rio sozinho, mesmo drenando com sua bacia grande parte da massa continental norte-americana, não seria capaz de possibilitar o despertar da continentalidade ou a integração sócio-econômica daquele país. Daí porque, há décadas atrás, a sociedade concordou que o governo dividisse, harmoniosamente, o território estadunidense em um significativo número de Estados, contando, atualmente, com mais de 50 unidades, onde há excelente qualidade de vida nas áreas rural e urbana.
Esse exemplo dos Estados Unidos, que também poderia ser do país russo ou do continente australiano, países que enfrentaram grandes desafios para desenvolver os seus imensos territórios, fazendo interagir suas costas marítimas com o interior continental, dá para nós amazônidas que hora debatemos a divisão territorial, a idéia de como é importante montar uma estratégia de transportes terrestres e de povoamentos bem distribuídos, que só poderá se viabilizar com mais facilidade, e só terá mais eficácia na alocação e aproveitamento dos recursos, se acontecer à criação de Estados de superfícies menores. É a tal história do dividir para crescer.
É na divisão que se vai criando alternativas produtivas mais condizentes com o nível sócio-econômico da sub-região reivindicatória da emancipação, compartilhando as oportunidades com a inclusão dos pobres, pois para que o impulso das reformas econômicas, entre elas até a reforma agrária, se sustente, os seus benefícios precisam se acessíveis a todos os cidadãos.
Criar Estados é, antes de tudo, possibilitar maiores e bem equipadas infra-estruturas, em termos de energia elétrica, saneamento básico, indústrias, turismo e, sobretudo, portos e rodovias. E estradas bem projetadas e acabadas irão atrair outros investimentos, até na área social, bem como populações melhores servidas e valorizadas por governos com maior poder de ação, justamente, por estarem mais próximos da sua área de atuação, tem mais liberdade e capacidade de interagir e comercializar com populações de países vizinhos, o que seria um passo rumo a integração Pan-Americana.
Quem sabe não seria por aí o caminho para uma dinamização do Mercosul com a Amazônia e os países andinos! Também, poderia ser o braço de ação a alavancar o Merconorte. Tudo pode acontecer a partir de uma ação arrojada na Amazônia. O que não pode é ficarmos, de braços cruzados, vendo os desastres ecológicos - com a destruição de milhões de hectares de floresta - e a inércia produtiva tomar conta dessa região que se contenta com exportações de toras de madeira sem recolher impostos e de vários produtos inatura, com matéria-prima bruta que não muda a base produtiva em coisa alguma.
Se a divisão for para mudar dá para arriscar, pois quem sabe não surgirão governos mais destemidos para executar planos de ordenamento eco-ecológico, incentivar e investir novas atividades produtivas, com aproveitamento melhor, em áreas de excelência com a extração das essências das florestas com vistas a produzir álcoois, enzigmas, substâncias aromatizantes, sulfetos, resinas, óleos, lubrificantes, componentes da indústria do cimento e elementos corretivos dos solos.
Quem sabe a água dos rios regionais possam ser, seriamente, tratadas para reduzir a acidez, tornando-se mais produtoras de peixes, podendo ser também criados grandes reservatórios e estações de tratamento, para envasamento e exportação da água potável em tonéis.
Só haverá interesse em enfrentar esse desafio se os governos forem mais locais, mais do povo, e que em conjunto formem uma bancada política em quantidade e qualidade para brigar pelos interesses da região. É isso que a população tem que saber, para adquirir meios para fazer uma boa escolha, e não ser desinformada por propagandas contrárias, com frases de efeito, que são levadas ao ar por grupos de pessoas mal acostumadas no bem-bom da acomodação, sempre tirando vantagens econômicas sobre empresários e povos das regiões mais distantes da capital mais e carentes de apoio logístico.
A população esta cansada da mesmice, e como já está amadurecida politicamente, saberá votar pela divisão da Amazônia em Estados de dimensões menores, pois já entende que só com a efetivação do redesenho territorial se poderá criar uma economia interiorana menos dependente da tirania do comércio das capitais.
No caso do Pará, os belenenses, que são inteligentes, sabem bem que o futuro da população juvenil do Estado remanescente, ainda que com um território menor, ficará bastante saneado, revitalizado e será mais fácil de ser administrado, tudo porque como num passo de mágica, encontrar-se-á com uma excelente concentração de infra-estrutura econômica, financeira e social, com instituições bem aparelhadas, o que representará um PIB e uma taxa de participação estadual significativa, e portanto, uma renda per capita que dará condições de serem alocados muito mais recursos para investimentos, inclusive, em municípios que hoje não vêem a cor do dinheiro, e que terão assegurado um certo grau de autonomia econômica, favorecendo o estabelecimento de uma sociedade próspera e tanto quanto possível mais eficiente.
Quem não aceita a possibilidade de uma vida melhor para o povo, é porque só vê o seu lado, só pensa em si mesmo, só quer manter seu status quo. Como diz o autor Meira Mattos: Integrar a Pan-Amazônia será obra hercúlea, de leal cooperação. A ser impulsionada desde já.
Dada a extensão da área a integrar, as dificuldades inerentes à sua natureza, a fraqueza de seu povoamento, será preciso montar-se uma estratégia adequada e própria que responda aos objetivos pretendidos e às peculiaridades regionais.
Esta estratégia deverá ser buscada nas experiências geopolíticas do passado. Nesta geopolítica que entendemos como "a política aplicada aos espaços geográficos", buscaremos nas lições políticas do passado, portanto na história, os rumos para o presente e para o futuro. (MATTOS, 1980, p.169). No Oeste do Pará, por exemplo, temos áreas municipais pólos que já contam com uma articulação fluvial bastante acentuada, mas que ainda não é o suficiente. Favorecida pela sua posição estratégica na confluência de dois grandes rios, Amazonas e Tapajós, encontra-se Santarém que se liga com Belém e Manaus, sendo que esta última abre uma saída de razoável qualidade para o caribe via Boa Vista e Caracas. Falta ao atual Estado do Pará uma ligação terrestre com Cayena, via Macapá.
Quanto a isso, o futuro Estado do Tapajós pode ser conectado a Paramaribo, no Suriname a partir da cidade de Óbidos, cujo município é, atualmente, cortado, pela estrada PA-254, desde Oriximiná até Prainha, num verdadeiro prolongamento da BR-163, que por sua vez, poderá ligar, no futuro, o porto de Santarém a cidades portuárias da Bolívia, via Cuiabá.
Esse cenário que se desponta para o Vale do Tapajós e o Médio Amazonas, beneficiará toda a economia da Amazônia e até dos países andinos, portanto, não se pode ir contra a uma excelente estratégia para o Brasil por caprichos particulares. Isso, além de egoísmo, é anti-democrático e irresponsável.
Santarém poderá ser sim uma capital constituída de todo o aparato governamental que - somada à dinamização de outras cidades vizinhas, juntas, funcionando como pontos nodais que irradiarão desenvolvimento econômico e social que se somará aos impulsos relacionais vindos de cidades tais como Manaus, Boa Vista, Belém, Macapá e de todas as capitais dos países vizinhos -, propiciará o desenvolvimento sustentável regional. Como se pode observar, toda a sociedade amazônica sairá ganhando com Estados geograficamente pequenos, pois em virtude das propriedades rurais e das sedes municipais se situarem relativamente próximas de sua, respectiva, capital, os cidadãos contarão, em contrapartida, com governos mais ágeis, flexíveis, autônomos e empreendedores para incentivar empresas que gerem renda e emprego a milhares de jovens na idade de trabalhar. Deixemos de pessimismo, pensemos no melhor!
*Autor: Juarez Bezerra Regis de Souza, economista, especializado em macro-economia e comunicação social. Trabalhou por mais de trinta anos em projetos de eletrificação urbana e rural, bem como em planejamento dos sistemas elétricos da empresa Centrais Elétricas do Pará – CELPA, tendo também participado de várias equipes multidisciplinares, em estudos sócio-econômicos e ambientais para subsidiar ações do governo estadual. Ultimamente, é estudioso da problemática amazônica.
Editado por Roberto C. Limeira de Castro às 19:36
Nenhum comentário:
Postar um comentário